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Somos o que protegemos.

quinta-feira, 31 de maio de 2012

Ópio


O teu silêncio é uma nau com todas as velas pandas...
Brandas, as brisas brincam nas flâmulas, teu sorriso...
E o teu sorriso no teu silêncio é as escadas e as andas
Com que me finjo mais alto e ao pé de qualquer paraíso...

Meu coração é uma ânfora que cai e que se parte...
O teu silêncio recolhe-o e guarda-o, partido, a um canto...
Minha ideia de ti é um cadáver que o mar traz a praia... e entanto
Tu és a tela irreal em que erro em cor a minha arte...

Abre todas as portas e que o vento varra a ideia
Que temos de que um fumo perfuma de ócio os salões...
Minha alma é uma caverna enchida pela maré cheia...
E a minha ideia de te sonhar uma caravana de histriões...

Chove ouro baço, mas não no lá fora... É em mim... Sou a Hora,
E a Hora é de assombros e toda ela de escombros dela...
Na minha atenção há uma viúva que chora...
No meu céu interior nunca houve uma única estrela...

Hoje o céu é pesado como a ideia de nunca chegar a um porto...
A chuva miúda é vazia... A Hora sabe a ter sido...
Não haver qualquer coisa como leitos para as naus!...
Absorta em se alhear a si, teu olhar é uma praga sem sentido...

Todas as minhas horas são feitas de jaspe negro,
Minhas ânsias todas talhadas num mármore que não há,
Não é alegria nem dor esta dor que me alegro,
E minha bondade inversa não é boa nem má...

Ah! Como esta hora é velha!... E todas as naus partiram!...
Na praia só um cabo morto e uns restos de vela falam
Do longe, das horas do Sul, de onde os nossos sonhos tiram
Aquela angústia de sonhar mais que até pra si calam...

O palácio está em ruínas... Dói ver no parque o abandono
Da fonte sem repuxo... Ninguém erguer o olhar da estrada
E sente saudades de si ante aquele lugar-outono...
Esta paisagem é um manuscrito com a frase mais bela cortada...

A doida partiu todos os candelabros glabros,
Sujou de humano o lago com cartas, muitas...
E a minha alma é aquela luz que não mais haverá nos candelabros...
E que querem ao lago aziago minhas ânsias, brisas fortuitas?

Por que me aflijo e me enfermo?... Deitam-se nuas ao luar todas as ninfas...
Veio ao Sol e já tinham partido...
O teu silêncio que me embala é a ideia de naufragar,
E a ideia de a tua voz soar a lira dum Apolo fingido...

Todos os acasos fundiram-se na minha alma...
As relvas de todos os prados foram frescas sob meus pés frios...
Secou em teu olhar a ideia de te julgares calmo,
E eu ver isso em ti é um porto sem navios...

Ergueram-se a um tempo todos os remos... Pelo ouro das searas
Passou uma saudade de não serem o mar...
Em frente ao meu trono de alheamento há gestos com pedras raras...
Minha alma é uma lâmpada que se apagou e ainda está quente...

E eu deliro... De repente pauso no que penso...
Fito-te
E o teu silêncio é uma cegueira minha... Fito-te e sonho...
Há coisas rubras e cobras no modo como medito-te,
E a tua ideia sabe à lembrança de um sabor medonho...

Por que não ter por ti desprezo? Por que não perdê-lo?
Ah, deixa que eu te ignore... O teu silêncio é um leque-
Um leque fechado, um leque que aberto seria tão belo, tão belo,
Mas mais lindo é não o abrir, para que a Hora não peque...

Gelaram todas as mãos cruzadas sobre todos os peitos...
Murcharam mais flores do que as que havia no jardim...
O meu amar-te é uma catedral de silêncios eleitos,
E os meus sonhos uma escada sem princípio, mas com um fim...

Há tão poucas pessoas que amem as paisagens que não existem!...
Saber que continuará a haver o mesmo mundo amanhã- como nos desalegra!...
Que o meu ouvir o teu silêncio não seja nuvens que atristem
O teu sorriso, anjo exilado, e o teu tédio, auréola negra...

Suave, como a brisa fresca de outono, a tarde rica desce...
Não chove já, e o vasto céu é um grande sorriso imperfeito...
A minha consciência de ter consciência de ti é uma prece...
E o meu saber-te a sorrir é uma flor viva e fresca em meu peito...

As, se fôssemos duas figuras num longínquo vitral!...
As, se fôssemos as duas cores de uma bandeira de glória!...
Estátua acéfala posta a um canto, poeirenta pia batismal,
Pendão de vencidos tendo escrito ao centro este lema - Vitória!

O que é que me tortura?... Se até a tua face calma
Só me enche de tristezas e de ópios de ócios medonhos...
Não sei... Eu sou uma louca que estranha sua própria alma...
Eu fui amada em efígie num país para além dos sonhos...

Lilium S2

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